sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 ELIPHAS LEVI - O MAGO DA LUZ

Para grande parte dos ocultistas modernos, Eliphas Levi é um dos mestres do renascimento mágico pelo qual o mundo passou a partir do século 19. Seus livros e ensinamentos ainda são atuais e constituem a chave para muitos dos mistérios envolvendo as artes esotéricas e o contato com as forças de outros planos.

- Alex Alprim -
O abade francês Alphonse Louis Constant - conhecido nos meios ocultistas como Eliphas Levi Zahed (tradução hebraica de seu nome) - nasceu em 1810, em Paris, filho do sapateiro Jean Joseph Constant, que queria dar ao filho a oportunidade de crescer em meio à sociedade francesa. Como desde menino Eliphas demonstrava uma clara aptidão para o desenho, seus pais acharam por bem direcioná-lo para o ensinamento religioso.

Essa decisão influenciaria fortemente sua vida: o ascetismo religioso acenderia no jovem a chama da busca pela união divina, e o levaria a um caminho cheio de percalços. O resultado dessa caminhada, ainda que alguns o acusassem de ser uma fraude, é que ele seria reconhecido por grande parte dos estudiosos como o maior ocultista do século 19.

Aos dez anos de idade, ingressou no presbitério da Igreja de Saint-Louis em L´Île, onde aprendeu o catecismo com o abade Hubault. Devido ao seu brilhantismo e dedicação ao sacerdócio, foi encaminhado ao seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet, e começou a se aprofundar nos estudos lingüísticos de forma tão notável que logo lia a Bíblia em sua versão original. Em 1830, foi cursar filosofia no seminário de Issy. Mais tarde, ingressou em Saint-Sulpice para estudar teologia.

Terminado o curso de teologia, Eliphas ascendeu na hierarquia da Igreja e foi aceito nas ordens maiores, ordenando-se subdiácono. Começou a lecionar em um colégio para moças e, seguindo com dedicação a carreira eclesiástica e seus estudos religiosos, escreveu uma peça bíblica (Nimrod) e vários poemas religiosos que projetaram sua imagem dentro da Igreja.

Contudo, o jovem Alphonse sentiu o peso de tantos anos de reclusão e ascetismo. Ele conheceu uma jovem, pobre, tímida e retraída que os outros padres haviam se recusado a atender e preparar para a comunhão. Ele aceitou a tarefa e foi tomado por um forte sentimento: Alphonse disse que havia encontrado nela as qualidades da Virgem, e ficou tão impressionado que a visão dessa jovem o marcou pelo resto da vida.

Em 1835, Eliphas Levi foi ordenado diácono, mas em 1836, quando estava para atingir o cargo de sacerdote, confessou ao seu superior o que havia sentido com relação à jovem, anos antes. Desse momento em diante, as portas da carreira eclesiástica se fecharam brutalmente para ele, o que lhe causou uma grande consternação e abalou sua visão de Deus e do mundo religioso.

Assim, com a idade de vinte e seis anos, deixou o seminário e deu início à sua jornada no mundo exterior. Mas a tragédia apenas começara: ao saber do ocorrido, sua mãe se suicidou. Mais uma vez, ficou profundamente abalado, e o evento foi agravado pelos boatos que começaram a circular a respeito dos eventos no seminário, denegrindo sua imagem: dizia-se que ele havia sido expulso por se envolver com a jovem, o que era uma mentira estimulada pelos inimigos de Eliphas no clero.

Ele percorreu grande parte da França, trabalhou algum tempo num circo e, em Paris, trabalhou como pintor e jornalista, atividades que o levaram a conhecer um grande número de intelectuais e estudiosos.

O Retorno ao Caminho

Apesar de tudo, o jovem Alphonse não perdera a inclinação para a vida mística e religiosa. Em 1839, ele encontrou um local no qual entraria em contato com o oculto e as leituras consideradas proibidas e perigosas para os cristãos. Na cidade de Solesmes, havia um convento dirigido por um abade que não seguia as regras oficiais da Igreja e que tinha em seu acervo de documentos grande quantidade de livros e textos gnósticos, muitos deles ligados à magia e aos seres de outros planos. De imediato, isso chamou a atenção de Eliphas que, estimulado pelos acontecimentos em sua vida, procurava entender as relações entre Deus, o homem, o pecado e o inferno, como seria de se esperar de um Neófito.

A biblioteca do convento tinha milhares de volumes, que eram devorados pelo jovem com afinco. Lia os mais diversos autores em busca das respostas e, um dia, ele chegou a uma conclusão surpreendente acerca da natureza de Deus: para ele, o Mal não poderia durar para sempre, pois isso iria contra a própria natureza infinita de Deus. Como poderia o Mal ser infinito como o próprio Deus? Isso levaria à conclusão de que o próprio Deus seria o Mal. Daí, ele conclui que todos os homens poderiam ser salvos; afinal, o Mal e o pecado poderiam ser vencidos pela fé e pelo conhecimento de Deus. Tal visão iria nortear sua vida dali por diante.

Com essa descoberta em mente, Eliphas partiu novamente, sem rumo, e sempre perseguido pelo clero, que continuava espalhando mentiras e maledicências sobre ele e os eventos que o levaram a abandonar a vida eclesiástica. Levi teve uma j vida itinerante, sem se fixar em emprego algum, e começou a escrever e divulgar suas descobertas místicas, que iam diretamente contra as idéias oficiais da Igreja. Também entrou em contato com os escritos do místico sueco Emmanuel Swedenborg (1688 - 1772), que Levi dizia serem capazes de conduzir o neófito pelo Caminho Real, embora não contivessem a 1 Verdadeira Verdade.

Depois da publicação de sua Bíblia da Liberdade, Levi foi preso e teve de pagar uma multa considerável para a época. Ao sair da prisão, procurou conhecer as obras dos grandes magos´ da Idade Média, como Guillaume PosteI, Raymond Lulle e Henry Corneille Agrippa. Em 1845, aos trinta e cinco anos de idade, escreveu O Livro das Lágrimas, ou O Cristo Consolador, e aprofundou-se ainda mais nas técnicas que envolviam a magia cerimonial e os contatos com as forças dos planos divinos.

Mas sua vida ainda iria sofrer mais uma série de reveses, tomando-se um labirinto que o levaria novamente à prisão. Tudo teve início em 1846, quando ele se casou com Marie Noémie Cadiot, com quem ficou durante sete anos. Instigado pela mulher, escreveu panfletos políticos incitando o povo contra o governo e a ordem vigente. Foi condenado a um ano de prisão e ao pagamento de mil francos de multa, acusado de estimular o povo ao ódio e ao desprezo do governo imperial; cumpriu seis meses da pena, graças à interferência de Noémie junto ao governo.

Em 1847, sua esposa deu à luz uma menina, a quem Eliphas adorava. Era uma criança muito doente e, por várias vezes, esteve próxima da morte.

Numa dessas ocasiões, ele usou seu conhecimento dos sacramentos e das artes mágicas e reviveu a menina, numa cerimônia semelhante ao batismo cristão. Mas ela tinha a saúde frágil demais e, para desespero do pai, não resistiu, falecendo em 1854. Essa perda o marcou profundamente e influenciou a forma como seu casamento se desenrolou nos anos seguintes.

O Chamado da Senda

Os estudos ocultistas de Eliphas Levi começaram no mosteiro, mas sua iniciação é envolta em mistérios e informações desencontradas.

Sabe se que ele colaborou e foi amigo do iniciador do famoso mago Papus. No entanto, tudo leva a crer que o ocultista Hoene Wronski tenha sido o introdutor de Eliphas na Senda, ou Caminho.


Quando Wronski faleceu em 1853, deixou para Eliphas um conjunto de manuscritos, enquanto outros foram doados à Biblioteca Nacional de Paris. Relatos de várias pessoas na época falam sobre a inquietação que o acometeu ao receber as obras de Wronski, como se algo estivesse próximo a acontecer.

Em seguida, Levi foi para Londres, onde teve contato com vários ocultistas que queriam ver os prodígios e milagres que ele era capaz de realizar. Aparentemente, esses praticantes viam na magia mais um circo do que um caminho de auto-realização. Isso fez com que Eliphas rapidamente se afastasse deles e tomasse a decisão de se aplicar ao estudo da Alta Cabala, dedicação que renderia frutos, uma vez que lhe abririam ainda mais sua percepção mágica.

Nessa época, ele encontrou o que se chama de Grande Adepto (uma pessoa que atingiu um dos Grandes Graus dentro das Ordens da Senda Real e da realização divina), que se tomaria seu grande amigo: Bulwer Lytton, autor de Zanoni - considerado o grande romance esotérico do mundo no século 19 - Os Últimos Dias de Pompéia, A Raça Futura, e outros clássicos da literatura ocultista. Os dois Mestres teriam trocado informações iniciáticas sobre as sociedades ocultistas, das quais certamente eram os grandes expoentes. Inclusive, consta que teriam realizado trabalhos espirituais em conjunto, indo desde invocações a contatos com seres de outras esferas de realidade. As anotações que comprovam esses fatos foram parar nas mãos de Papus, e publicadas posteriormente.

Nesse material, existem registros sobre três visões de Levi e Lytton: de São João, de Jesus e de Apolônio de Tiana (na qual Apolônio é descrito como um velho). Nessas invocações e visões, teriam entrado em contato com forças que Ihes revelaram os mistérios dos Sete Selos do Apocalipse - que seria a base para a compreensão da Cabala Mágica, escrita em código na Bíblia cristã; conheceram eventos futuros sobre a vida de ambos e sobre a humanidade; conheceram a Magia Celeste, como o contato com a hoste angelical; souberam as chaves dos milagres e de todos os prodígios mágicos; e, parte mais difícil da busca mágica, como manter e honrar os saberes conquistados na Senda e na Busca pelo Real Caminho.

Ainda em Londres, a situação matrimonial de Eliphas Levi se degradou a um ponto sem retomo, e ele se separou de Noémie. Retomando a Paris, iniciou uma nova e fascinante etapa em sua vida, longe das agitações que marcaram a fase anterior - embora ainda retomasse ao cárcere por escrever contra o imperador Napoleão IV -, e voltou a se dedicar ao mundo dos estudos e das descobertas mágicas.

Em 1855, ele começou a publicar a Revista Filosófica e Religiosa, e vários artigos seriam posteriormente utilizados em seu livro A Chave dos Grandes Mistérios. Nesse mesmo ano, publicou sua obra mais conhecida: Dogma e Ritual da Alta Magia, na qual desvenda as várias faces do saber mágico.

Em 1859, publicou História da Magia, em que relata o desenvolvimento do saber mágico ao longo da história, e que compõe, com os dois livros anteriores, o conjunto de livros ocultistas tidos como uma "bíblia" por seus discípulos e por todos os que vieram a estudá-los posteriormente.

Um Encontro Misterioso Eliphas Levi estava sempre cercado por grande número de amigos e discípulos, todos eles com conhecimentos profundos; muitos estavam ligados às várias linhas mágicas e sociedades esotéricas que existiam na Europa do século 19. Alguns deles seriam considerados a elite cultural parisiense e do pensamento místico da época.

Mesmo cultivando amizades de pessoas tão ricas e tendo acesso a todo o luxo que desejasse, Eliphas manteve uma vida austera, seguindo o caminho da simplicidade, procurando sempre manter o seu espírito em um estado de paz e quietude. Para isso, tomava cuidado com o que comia e bebia, evitando os extremos de calor e frio, e vivia numa casa fresca e arejada. Também se dedicava a exercícios moderados para manter o corpo forte (o corpo é o "templo primeiro", e deve-se cuidar dele tanto quanto se cuida do templo espiritual, a alma). Aos que adoeciam e o procuravam, sempre recomendava remédios naturais e um estilo de vida como o que levava: simples e dedicado.

Em 1862, publicou aquela que, segundo ele próprio, era sua obra mais elaborada: Fábulas e Símbolos. Consta que o livro não contou apenas com a erudição de Levi, mas que ele estava inspirado por forças maiores, que um grande espírito de luz entrou em contato com sua alma.

Segundo explicou posteriormente, ele sabia de antemão o resultado final do livro, o que seria escrito, pois tal "espírito" apresentava o trabalho em sua mente, mostrando como a obra seria realizada. As idéias, disse, simplesmente nasciam, parecendo que a própria Vontade Divina agia, movendo suas mãos. Ele se sentia em extrema comunhão com a Luz que envolvia seu trabalho. Todavia, quando tudo transcorria calmamente, uma visita mudou a pacata vida de Eliphas Levi.

Suas obras eram conhecidas no mundo todo, e não havia quem não quisesse conhecer o autor, fosse por sua erudição, fosse pelo grande exemplo de Mestre na Arte. Um dia, surgiu um jovem que bateu sete vezes à sua porta. Era um rapaz bem vestido, com um leve sorriso no rosto e que, em tom jocoso, cumprimentou Eliphas formalmente, entrando em sua casa como se fosse sua própria.

Eliphas ficou estupefato e, prontamente, procurou descobrir quem era aquela pessoa, que não se deixou afetar pela pergunta. O jovem disse ao estudioso que, embora não o conhecesse, ele sabia tudo sobre sua vida, tanto seu passado quanto seu futuro, e descreveu vários eventos, citando corretamente o ano em que se deram. Até aí, nada de extraordinário; afinal, uma pesquisa da vida de Eliphas teria fornecido esses dados ao jovem.

Continuando, o rapaz descreveu os eventos que ocorreram na Inglaterra, as pesquisas de Eliphas e ainda disse que o Apolônio de Tiana que Levi havia visto nada mais era do que a visão do próprio Levi (como um duplo etérico, representando o operador). Ainda sem parar de falar, diante de um Levi paralisado, vaticinou que ele poderia falecer devido a um acidente, em 1875, mas que se tudo corresse corretamente naquele ano, ele viveria apenas até 1885.

Dito isso, riu-se e incitou Levi com ambições e alusões à sua grande capacidade mágica e erudição. Além disso, durante todo o tempo, mostrou desprezo pela figura de Cristo e igualou sua própria figura à de Deus.

Perguntado quem era, finalmente disse ser ninguém menos que o próprio Deus e Satã, lembrando que Eliphas, anos antes, havia negado a existência dele. Dito isso, partiu sem deixar quaisquer vestígios que pudessem negar ou comprovar sua história.

Em 1865, com a publicação do livro Ciência dos Espíritos, a reputação de Eliphas Levi atingiu seu clímax, consolidando ainda mais o seu nome entre os grandes ocultistas de seu tempo.

E, como havia sido predito pelo jovem, em 31 de maio de 1875, Eliphas Levi faleceu. Sua morte transcorreu sem agitações. Com coragem e resignação, ele se manteve calmo, pois sabia e sentia que sua missão havia sido realizada, tanto no que diz respeito a realizações externas como espirituais.

Deixou poucos bens materiais, pois sempre viveu como um humilde. Em seu testamento, deixou apenas manuscritos e algumas obras de arte em nome de pessoas próximas, e também algo para a caridade.

Vida Devota

Eliphas Levi não se dedicou apenas a descobrir e desenvolver suas habilidades mágicas; para o homem sábio, os prodígios e milagres não são o objetivo do caminho verdadeiro, mas uma conseqüência, o efeito colateral das práticas e experiências de contato com o Deus que habita em seu coração. Eliphas procurava a conexão com o saber maior; queria desenvolver seu espírito para que ele rompesse a prisão do dualismo e superasse o universo das ilusões e das aparências.

Seus livros são chaves que servem aos adeptos e iniciados para abrir portas, a partir das quais se pode acessar o conhecimento e sabedoria dos mais diversos planos de existências. Assim, pode-se atingir o ponto critico que permite o vislumbre e a compreensão acerca da verdadeira kabbalah, a qual permite entender os mecanismo da vida e da criação nos mais diversos planos de existência.

Sua vida pode ser encarada como um exemplo muito claro de como se devem portar os mestres da Senda, agindo com humildade, calma e sabedoria, deixando que sua aura permeie o ambiente e transmita a Luz em todas as direções. Assim, o mestre permite que cada um, segundo seu próprio estágio, atinja a compreensão que precisa para ascender aos níveis superiores de entendimento.

Assim foi a vida de Eliphas Levi que, pode-se dizer, foi sua maior obra.

A Escrita e a Iniciação

Quando escrevemos textos sobre os grandes iniciados adotamos uma forma de linguagem que diferencia a letra escrita comum da iniciática. Algumas linhas adotam abreviações e signos característicos, o que torna os textos herméticos e acessíveis apenas aos iniciados. Contudo, quando o texto é escrito para o grande público, pode-se utilizar expressões correntes, apenas adotando um diferencial - como escrever com a primeira letra maiúscula - para separar o mundano daquele que está ligado ao Caminho da Retidão, ou Caminho Real.

Por exemplo, quando se escreve Adepto, estamos nos referindo àquele que foi iniciado na Antiga Ordem, e não àquele que é adepto de alguma linha ou arte comum e ligada à vida mundana. O mesmo se repete com outros termos presentes nesses textos, como Iniciado, Neófito, Caminho, Senda, entre outros.

Para Saber Mais:
- Dogma e Ritual de Alta Magia História da Magia
- A Chave dos Grandes Mistérios Eliphas Levi
- Editora Pensamento
- Site: www.sca.org.Br/biografias/beI1.htm

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