sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 

Éliphas Lévi, sacerdote, radical, mago

 

Éliphas Lévi, sacerdote, radical, mago

Texto de James W. Revak
publicado em www.villarevak.org

Tradução de Alexsander de Abreu Lepletier

 

 

O Essencial:

Éliphas Lévi (1810-75) (pseudônimo de Alphonse-Louis Constant), Ocultista francês e mago que iniciou o renascimento moderno da magia como caminho espiritual e desempenhou um papel central no desenvolvimento do tarô esotérico. Através de suas atividades e livros, ele impactou significativamente outros importantes ocultistas, incluindo os tarólogos.

 

Destaques de sua carreira:

 

1835: Foi ordenado diácono.

1841-42: Cumpre oito meses de prisão por escrever e publicar um livro que prega “impiedade e subversão”..

1854: Evoca o lendário e ancestral mago Apollonius de Tyana em uma aparição física, segundo seu próprio relato.

1854-55: Publica Dogme et rituel de la haute magie (Dogma e ritual da alta magia).

1960: Publica Histoire de la magie (História da Magia).

 

Dizeres memoráveis:

“O que procuras, portanto, da ciência dos magos? Ouse formular o seu desejo e, então comece a trabalhar de uma vez, e não pare de agir da mesma forma para o mesmo fim; o que deverá acontecer...”

Dogme et rituel de la haute magie [Dogma e ritual da alta magia]

Éliphas Lévi, o candidato a padre

 

Alphonse Louis Constant, filho de um pobre sapateiro, nasceu em Paris em 1810. Somente mais tarde adotou o nome de Éliphas Lévi.

Era um aluno brilhante e dedicado, devoto católico com uma inclinação para o misticismo; entrou no seminário Saint Sulspice, onde foi instruído para o sacerdócio e ordenado como diácono em 1835. Seus primeiros deveres como membro do Clero incluíam instruir as moças do que viviam nos arredores do seminário no catecismo. Ele logo se apaixonou por Adèle Allenbach, uma das quais era responsável. Embora sua relação tenha permanecido platônica, mudou a vida de Constant para sempre.

Ele escreveu em seu livro Chansons et Poésies [Canções e Poesias]:

“Minhas ideias caíram por água abaixo, eu não amava Adèle como se ama ama uma mulher – Adèle ainda era quase uma criança – mas através dela eu senti despertar em mim a imperiosa necessidade de amar; entendi que toda a religião em minha alma era baseada nessa necessidade, e eu não poderia fazer meus votos diante do altar de um culto frio e egoísta sem remorso.”

Ao contrário de relatos incorretos, ele nunca se tornou um padre, rejeitou da ordenação e deixou o seminário. Pouco tempo depois, sua mãe, viúva, suicidou-se deixando-o perturbado.

 

Radical, Artista, Escritor, Amante

 

Apesar disso, Constant tinha de ganhar a vida. Após um breve período como ator, ele lecionou na Escola Católica, e paradoxalmente assumiu a postura de “político radical” escrevendo o controverso livro La Bible de le Liberté [A Bíblia da Liberdade]. Em resposta, os tribunais condenaram-no por de pregar contra a fé, e de subversão, passando oito duros meses na prisão.

 

Após sua libertação trabalhou pouco tempo como artista em Choisy e mais tarde como assistente do clérigo da diocese de Evreaux, mas foi forçado a sair do posto quando o público descobriu que era o autor de La Bible de la Liberté.

 

Ao romper suas ligações com o clero, voltou a Paris. Continuou a escrever, sendo publicado ocasionalmente, e tomou como amante Eugénie C. (seu sobrenome permanece desconhecido). Ele a conheceu em Evraux onde ela trabalhava como assistente da diretora de uma escola de meninas. As coisas esquentaram quando, aos trinta e cinco anos, Lévi começou um caso de amor secreto com uma das alunas de Eugénie, Noémi Cadiot. Ele, finalmente, abandonou Eugénie e casou com Candiot em 1846. Três meses mais tarde, Eugénie, separada de Constant teve um filho seu que ele jamais veria.

 

Constant continuava a escrever livros incluindo textos religiosos. Mesmo a vida de casado e tendo passado um tempo na prisão, não acalmaram sua postura política radical

 

Ele, logo ganhou notoriedade por seus controversos tratados socialistas, e quando os tribunais  julgaram-no culpado por provocar desespero e  ódio entre as classes sociais, passou mais seis meses na prisão.

 

Mesmo após sua liberdade, Constant persistia em escrever obras polêmicas e publicou Le Testement de la Liberté (O Testamento da Liberdade) em 1848, ano que a revolução sacudira a França e muitos outros países Europeus. Nelas, ele assumiu uma postura revolucionária e mencionou a futura direção de sua ideias religiosas e metafísicas: “Nós queremos regenerar e universalizar o sentimento religioso através da síntese e explicação racional dos símbolos, de forma a constituir a Igreja Católica Verdadeira ou a associação universal dos Homens.”

Aqui estão alguns temas embrionários aos quais Lévi se ateria a maior parte do resto de sua vida: 


a “Verdadeira Igreja Católica” (ex.: a verdadeira religião e associação da Humanidade) racionalmente compreendida através de uma simbologia sintética. A única coisa que faltou foi a menção clara à magia.

 


 

Uma a nova carreira, um novo nome

 

Em 1852 Lévi encontrou o famoso matemático e ocultista Hoene Wornski, que o influenciou fortemente o, já inclinado ao misticismo, ex-diácono. Em consequencia disso, seu interesse pelo ocultismo despertou.

Nessa época a grande tradição mágica Ocidental que vinha desde o Renascimento e, recentemente caíra em desprestígio geral; muitos Europeus letrados tratavam disso com escárnio e desprezo. Mesmo assim, Lévi estudou magia, apaixonou-se por ela e começou a adotar, o que descrevia como sendo a forma “hebraizada” de seu nome (pela qual seria mais conhecido): Éliphas Lévi.

 

Em 1853 a esposa de Lévi deixou-o por outro homem. Talvez, para se desligar da situação, Lévi viajou, no ano seguinte, para Londres, onde, segundo ele, invocou o antigo e lendário mago Apollonius de Tyana numa aparição física. Para tanto, depois de muitos dias de preparação, ele, usando vestimentas mágicas, entrou sozinho numa sala mobilhada como se fosse um templo. Queimou madeiras perfumadas em seu altar e evocou o mago, há muito falecido.

 

De acordo com ele “A fumaça  começou a se espalhar, a chama fez com que os objetos que tocava tornarem-se desfocados, então apagou-se, a fumaça ainda flutuava branca, lentamente, sobre o altar de mármore, eu senti como se a terra estivesse tremendo, meus ouvidos e coração bateram forte...

 

Três vezes com os olhos fechados eu invoquei Apollonius. Quando abri os olhos  havia um homem a minha frente, envolto da cabeça aos pés numa espécie de sudário que mais parecia cinzento que branco. Ele era magro,  melancólico e sem barba...”


 

O Selo de Salomão

Ilustração de Éliphas Lévi para o seu livroDogma e ritual da alta magia

Alphonse Constant "Éliphas Lévi" em 1836

Desenhado por um amigo. 
Fonte: Éliphas Lévi and the French Occult Revival,
por Christopher McIntosh, © 1972

Lévi em 1864.

O desenho do Carro, por Éliphas Lévi.
Ilustração em seu "Dogme et rituel" [1854-55]

Lévi disse que repetiu  essa famosa operação  mais duas vezes com sucesso. Refletindo sobre essa experiência ele escreveu: “Devo eu concluir que com tudo isso que eu, realmente, evoquei, vi e toquei o grande Apollonius de Tyana? Não estou tão delirante para afirmar isso ou tão insano  para acreditar nisso... Não explico as leis físicas pelas quais eu o vi e toquei. Afirmo solenemente que eu o vi e toquei. Eu vi clara e distintamente, sem fantasia, e isso é suficiente para provar a eficácia das cerimônias mágicas.”

 

Fique registrado que ninguém testemunhou tal operação.

 

Os trechos acima são do mais importante livro de Lévi Dogma et Rituel de haute Magie(Dogma e Ritual de Alta Magia) 1854-55, que foi tão popular que teve várias edições. Nele, Lévi chegou a uma sintese (que seus opositores chamariam de “bagunça”) de Magia Ocidental, com  Cabala, divinação (ex: Tarô), alquimia, astrologia, talismãs, profecia e muito mais.

 

Lévi exaltou, entusiasticamente, a Magia como caminho espiritual e disciplina mãe:“A Magia é a ciência tradicional dos segredos da natureza que nos foram transmitidos pelos magos. Por meio dessa ciência o iniciado é imbuído de uma espécie de onipotência relativa e pode agir de forma super-humana – que é por um meio que transcende as possibilidades normais do homem.”

 

Ele também colocou a magia como disciplina compatível com ambos ciência e cristianismo,de forma confiante, e capaz de unificar ambos.


 

“Ciência... é a base da magia, como na base do cristianismo há amor, e nos símbolos do Evangelho vemos a Palavra encarnada adorada em seu berço pelos três magos, guiados até lá por uma estrela... O cristianismo não deve ódio ou inimizade alguns à magia...”

 

Por outro lado, seu estilo literário em  Dogme et Rituel foi, em toda a parte, frequentemente caracterizado como sensacionalista, hiperbólico, de formação pobre, e um erro de fato.

 

O Mago volta-se para o Tarô

 

Estava, de todo, na síntese de Lévi, o Tarô, que descrevia, dogmaticamente, como o antigo “O Livro de Hermes” egípcio. Ele tinha, fervorosamente, o Tarô como “a chave universal para trabalhos mágicos”, e , tal como, “a chave para todos os dogmas religiosos antigos”, incluindo até mesmo a Bíblia. Como sempre, Lévi falhou em provar, mesmo que fosse uma partícula de evidência para suas posições. Apesar disso, o Mago exaltava confiantemente o Tarô como  “ a verdadeira Máquina Filosófica” e o “Oráculo da Verdade”, e convencia outros a fazerem o mesmo.

 

Além disso, ele integrou o Tarô à Cabala( uma forma influente de misticismo judaico) e os quatro elementos. Em Dogme et Rituel ele escreveu que:

 

• As dez cartas numeradas de cada naipe correspondem às dez Sephiroth cabalísticas( centros de energia divina);

 

• Os quatro naipes correspondiam aos quatro elementos: Moedas( mais tarde chamadas Ouros), elemento Terra; Copas , Água; Cetros( mais tarde chamados Paus), ar; e Espadas, Fogo, e 

 

• Embora não tivesse sido o primeiro a ligar o Tarô ao alfabeto hebraico, foi especificamente primeiro a escrever que o Malabarista (mais tarde conhecido como mago)  = Aleph, a Papisa (maistarde conhecida como a Alta Sacerdotisa) = Beth, etc.

 

Mais uma vez Lévi falhou em provar evidência convincente ou documentação concedendo autenticidade ou história que comprovasse essas correspondências com o tarô, ao invés disso ele as simplesmente disse. Se as inventou ou recontou um sistema preexistente, isso é desconhecido. Certamente, não há evidências existentes para provar tais origens arcanas dessas correspondências. Todavia, hoje em dia muitos Tarólogos usam-nas e outras similares também até hoje.

 

Embora Lévi tenha publicado somente uma carta de Tarot moderna, sua influência nos criadores e ilustradores foi significante. Por exemplo, sua versão da carta “o Carro” (ver ilustração acima) incluía, pela primeira vez, duas esfinges de estilo egípcio (uma clara e uma escura) no lugar dos tradicionais cavalos. Oswald Wirth e Edward Waite incluíram esfinges em seus baralhos, bem como muitos criadores contemporâneos. No mais, seus desenhos em Dogme et Rituel de Baphomet, um ídolo que os Cavaleiros Templários foram erroneamente acusados de adorar, durante a idade média, foi usado como modelo para o Trunfo do Diabo.

Todavia,  as descrições verbais de Lévi em seu Dogme et Rituel causaram impacto nos designers. Por exemplo, ele escreveu que:

 

• Uma leminscata (símbolo em forma de oito deitado) aparecia sobre a cabeça do Mago.

 

• A Papisa (mais tarde chamada de “A Grande Sacerdotisa”) vestia os chifres da Lua e de Isis.

 

• A Imperatriz era um tipo de Vênus.

 

• A Lua aparecia sob os pés da Imperatriz.

 

• Hermanubis (uma deidade egípcia) aparecia subindo na direita da Roda da Fortuna, enquanto Tifão (outra deidade egípcia) aparecia descendo na esquerda da Roda.

 

• Outra leminscata aparecia na cabeça da Força, e

 

• Um triângulo e um quadrado apareciam no peito da Temperança.

 

Alguns decks posteriores a Lévi, não continham nenhum de seus elementos, todavia, muitos possuem a maior parte deles, inclusive o Rider-Waite-Smith  e baralhos semelhantes. Toda vez que um criador contemporâneo ou um leitor de cartas usa certas correspondências (ex: Ouros = Terra) interpreta a Papisa como a Lua ou Isis, relaciona a Imperatriz com Vênus ou reflete sobre as lemniscatas sobre as cabeças do Mago e da Força, eles estão, em parte, em débito com Lévi.

 

Seus últimos anos

 

Depois de publicar Dogme et Rituel Lévi teve uma vida confortável, escrevendo livros sobre magia, e outros aspectos do ocultismo, oferecendo terinamentos particulares de magia, e levando a vida de um Mago na ativa, por exemplo, fazendo talismãs mágicos ou trabalhos espirituais a clientes. Em 1860 ele publicou Historie de Magie [História da Magia], que ajudou a consolidar sua posição como um dos principais ocultistas de seu tempo, embora seu trabalho contivesse material impreciso e precariamente documentado.

 

A medida que envelhecia, sua saúde foi decaindo vertiginosamente e seus bens se esgotando até chegar a um estado de pobreza, todavia um de seus devotados alunos salvou-o da ruína. 


Na primavera de 1875, com suas condições piorando, ele aceitou os ritos finais da Igreja Católica e morreu algumas horas depois. O mago tentou conciliar magia e religião até o fim e seu filho, que nunca viu, acompanhou seu corpo até o túmulo.

 

Um reconhecimento

 

A contribuição de Lévi para o Esoterismo Ocidental e o Ocultismo Moderno foi significante, causando impacto no Tarô e mais ainda na Magia. “A inovação mais surpreendente de Lévi foi conectar o Tarô à Cabala. Os ocultistas modernos se aproveitam tanto dessa ideia que tendem a se esquecer que não há evidencias históricas confirmadas do fato de que ambos estão interligados”, escreveu, em seu livro Eliphas Lévi and the French Occult Revival, o historiador Cristopher Macintosh.

 

Comentários desse tipo também pode ser feitos a outros aspectos do Tarô dos quais se aproveitam os ocultistas modernos. Apesar disso, o contacto de Lévi com as cartas tem um peso significante até os dias de hoje. Por último, ele causou impacto nos Tarólogos, não porque sua visão histórica do Tarô era precisa ( porque não era), mas porque ele fez algo novo ,e convicto disso.

 

Mais ainda, Lévi foi importante porque ajudou a mudar como as pessoas viam a Magia. Lévi, como MacIntosh observou de maneira correta, apresentou a magia como “uma maneira de conduzir o desejo através de certos canais e transformar o mago num ser humano mais pleno e realizado.”

 

Embora seu sensacionalismo e inclinação para, literalmente, inventar história frequentemente minimizem o mérito de sua mensagem central, suas ideias ainda servem como fundação do edifício da magia moderna (incluindo o Tarô) para ser construído pela próxima geração de magos. Graças a sua reabilitação da magia e integração do Tarô no vasto reino do Esoterismo Ocidental, Lévi serviria com uma luz no fim do túnel para eles.

 

 

Fontes - Livros

 

Decker, Ronald; DePaulis, Thierry; Dummett, Michael. (1996). A Wicked Pack of Cards: The Origins of the Occult Tarot. New York: St. Martin’s. ISBN 0312162944.

Lévi, Éliphas. (1910). (A. E. Waite, Trans.). Transcendental Magic: Its Doctrine and Ritual. Chicago: The Occult Publishing House. Republished many times. Originally published in French in two volumes as: Dogme de la haute magie (1854) and Rituel de la haute magie (1855).

 

Lévi, Éliphas. (1913). (A.E. Waite, Trans.). The History of Magic: Including a Clear, and Precise Exposition of Its Procedures, Rites and Mysteries. London: Rider. Republished many times. Originally published as Histoire de la magie, avec une exposition claire et précise de ses procédés, de ses rites et de ses mystères (1860).

McIntosh, Christopher. (1972). Éliphas Lévi and the French Occult Revival. London: Rider. ISBN 0091122716.

 

Websites

Lévi, Éliphas. Transcendental Magic: Its Doctrine and Ritual. An online version of this book.

Revak, James W. The Amazing Major Arcanum Esoteric Symbol Quiz. Explore os breves comentários sobre os arcanos e outros importantes tarólogos.


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