quarta-feira, 13 de outubro de 2021

 

Por dentro das sociedades secretas

Como funcionam no Brasil os grupos centenários que atuam de forma reservada nos campos político, social e espiritual

Por dentro das sociedades secretas

ROMPENDO O PRECONCEITO Os maçons da Glada, que seguem a tradição francesa, aceitam mulheres como membros da Ordem ()


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Desde que a Maçonaria protagonizou o best-seller "O Código da Vinci", de Dan Brown, como guardiã da linhagem de Cristo, as sociedades secretas viraram alvo de curiosidade e um filão para livros e séries de tevê. Na próxima obra de Brown, "O Símbolo Perdido" – com lançamento previsto para 15 de setembro nos Estados Unidos -, será a vez de as organizações Skull and Bones (Caveira e Ossos) e Illuminati ganharem visibilidade nos bastidores do poder americano.

Entre fatos e teorias conspiratórias, pouco se sabe sobre o papel desses grupos fora dos romances, até porque o sigilo sempre foi a marca deles. Ultimamente, porém, algumas organizações fundadas há centenas de anos, como a Maçonaria, a Rosa Cruz e a Sociedade Teosófica, começam a deixar a zona das sombras. Com isso, podem ser consideradas sociedades discretas, em vez de secretas. Elas têm sites na internet, sedes com seu nome, universidade e até um canal de tevê, mas cultivam o mistério ao manter rituais em segredo.

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Há outras ordens, como Golden Dawn, Illuminati, Templários e Priorado de Sião, que tiveram importância histórica no passado. Por isso, é comum tentar ressuscitá-las em todo seu esplendor, mas hoje subsistem apenas em grupos isolados, sem bases históricas, institucionalização ou reconhecimento entre as demais organizações. "Tem muita gente louca no meio, muitos são ex-maçons e se envolvem apenas nas questões filosóficas", diz o pesquisador Sérgio Pereira Couto, autor de 20 livros sobre o tema.

Divergentes no campo de atuação, as ordens discretas são caracterizadas pelos rituais, pelo processo de iniciação em graus, pela hierarquia formal e o passado de perseguição religiosa. Atraem pessoas intelectualizadas, espiritualizadas e influentes. Os membros se encontram todas as semanas em locais reservados e discutem temas que vão da espiritualidade às questões sociais. Não há referência a uma religião específica. Enquanto os maçons, de inclinação política, se dedicam às ações filantrópicas e aos debates sobre a soberania nacional, os rosa-cruzistas optam pelo mergulho profundo nos estudos esotéricos, que remontam às escolas de mistério do antigo Egito, e os teosofistas se dedicam a temas como parapsicologia e metafísica.

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Das três, a Maçonaria é a mais estruturada no mundo. Marcada pelo passado revolucionário, a organização perdeu importância política desde a década de 50 e está descentralizada em várias dissidências. As duas principais correntes são o Grande Oriente, de tradição inglesa, e a Grande Loja, de influência francesa. A primeira é rica e conservadora, tem presença de deputados e inclui a "Bíblia" como parte do ritual. A outra, mais modesta, está voltada para os ensinamentos esotéricos. Para se filiar à ordem, é necessário o convite de um dos integrantes.

No Brasil, a Grande Oriente se organiza com a mesma estrutura do Estado. Na pirâmide hierárquica, ocupa o Poder Executivo o grão-mestre geral Marcos José da Silva, acompanhado dos grandes ministros do Poder Legislativo e Poder Judiciário. Ele é eleito por voto direto e tem mandato de quatro anos. Os tribunais são acionados para julgar irregularidades cometidas pelos maçons, com base no Código Maçônico, legislação própria que pune infrações, como revelar os sinais de reconhecimento dos membros.

A Secretaria de Relações Exteriores é responsável pelos acordos entre o Grande Oriente do Brasil (GOB) e os templos de outros países, chamados de lojas. A Secretaria de Planejamento é incumbida da elaboração dos projetos que aproximam os maçons da comunidade e da ampliação dos convênios que beneficiam a irmandade.

O Grande Oriente do Brasil é tão conservador que não aceita mulheres. "As lojas ligadas à tradição francesa já superaram o preconceito contra a iniciação feminina", afirma Vera Facciollo, grã-mestra adjunta da Grande Loja Arquitetos de Aquário (Glada), seguidora da corrente mais moderna. Ela reúne documentos que comprovam a forte presença da mulher na história da organização e pretende publicá-los em um livro no próximo ano.

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Até recentemente, creditava-se à Maçonaria brasileira influência nas votações do Congresso. Segundo o historiador Marco Morel, autor do livro "O Poder da Maçonaria", porém, os maçons não têm força nenhuma para decidir os rumos da política nacional nem representam uma base eleitoral significativa. "Hoje, são apenas membros de um clube de fraternidade que se dedicam à filantropia e à ajuda mútua", afirma. Entre os benefícios de algumas lojas está o fundo de pensão que beneficia viúvas de maçons com até R$ 40 mil.

"Os códigos de cumprimento acessíveis a poucos exercem fascínio"
Sérgio Pereira Couto, pesquisador

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A política está longe dos interesses dos rosacruzistas, que evitam discussões polêmicas e não acreditam no acaso. Para eles, cada ação ocorre pela interferência de uma força maior. A Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz (Amorc) é a organização mais representativa no Brasil. Entre as sociedades discretas, são as mais reservadas.

De acordo com a numerologia, a cada ciclo de 108 anos, se recolhem aos ensinamentos internos e se afastam da visibilidade social. O próximo é em 2017. Estão divididos entre aprendizes e mestres e têm de cumprir os 12 passos na iniciação para subir na hierarquia.

Na capital paulista, onde funciona um dos maiores templos do País, as sessões fechadas aos membros ocorrem durante a semana. Aos sábados, são oferecidas atividades abertas ao público, com práticas de meditação e palestras sobre psicologia e espiritualidade. O casarão é decorado com elementos da cultura egípcia, esfinges no jardim, paredes com hieróglifos e pictografias.

O templo – com entrada restrita aos membros e aberta ao público apenas em funerais, casamentos e batizados – impressiona pela suntuosidade dos elementos simbólicos. A porta de bronze com pictografias egípcias em alto relevo, a iluminação com velas e o pé-direito alto do local sagrado lembram a grandiosidade das pirâmides egípcias. Não é necessário convite para se filiar.

Os estudantes recebem em casa monografias sobre medicina, psicologia, egiptologia, música, ciências físicas e tradições esotéricas e podem complementar o aprendizado na Universidade Rose Croix International, na cidade de San Jose, na Califórnia (EUA). "O objetivo é despertar o potencial interior do ser humano", afirma José Augusto Rodrigues, grande-conselheiro da Ordem.

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Mais aberta das três, a Sociedade Teosófica tem como característica o interesse por estudos sobre astrologia, matéria física e extracorpórea. É uma espécie de sociedade ecumênica com caráter holístico – ligada às ordens de mistério e ocultismo da antiguidade – que estuda os fenômenos físicos e espirituais. A sociedade está dividida em instrutores e membros e tem como lema "não há religião superior à verdade". Funciona como uma escola, com cadeiras voltadas para uma lousa.

Ao som de música erudita tocada ao vivo no piano, os membros recebem ensinamentos divididos em mistérios menores (essência espiritual do ser humano e a consciência emocional) e mistérios maiores (práticas físicas que possibilitam o conhecimento de supostos poderes do ser humano, como clarividência e capacidade de sair do corpo).

"Pessoas despreparadas para este aprendizado mais profundo podem enlouquecer", alerta Antônio Carlos Jorge, presidente do grupo em São Paulo. Segundo ele, são práticas que não podem ser feitas apenas para satisfazer um desejo pessoal. O interesse pelas sociedades secretas não é fomentado por segredos ou criptografias milenares, na opinião do pesquisador Sérgio Pereira Couto. Seria a possibilidade de convívio social com algo exclusivo que move os interessados. "É um desejo de fazer parte de um pequeno clube secreto e obter um conhecimento hermético, reservado a alguns membros", diz.

"Os códigos de cumprimento e reconhecimento acessíveis a poucos também exercem fascínio", afirma. Para Eliane Gouveia, professora de antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), além do desejo de ser reconhecido pelas hierarquias internas – o que nem sempre ocorre na vida real -, os iniciados têm acesso a outras formas de pensar. "É a busca por um saber que preenche a necessidade de subjetividade do indivíduo", afirma. Algo compreensível numa era de individualismo e de crise de valores.

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